segunda-feira, 18 de abril de 2011

Nem direita, nem esquerda, muito pelo contrário!*

Rotular e engessar o conceito da sustentabilidade é um desserviço à busca pelo desenvolvimento sustentável

Por Reinaldo Canto**


Não tem sido incomum, ao participar de encontros, debates e palestras, ao escrever artigos e até mesmo em conversas informais, ser questionado sobre este ou aquele posicionamento em prol da sustentabilidade com a visão tradicional da política construída ao longo dos últimos dois séculos. Dependendo do ponto de vista do observador, a sustentabilidade tem sido taxada de direitista e reacionária ou de esquedista e socializante.

Vale lembrar qual a definição para sustentabilidade consagrada no relatório Bruntland, intitulado Nosso Futuro Comum de 1987, “a capacidade das gerações atuais suprirem as suas necessidades, sem comprometer a capacidade das futuras gerações fazerem o mesmo”. Ela é até bastante simples na sua concepção, mas também muito complexa na sua aplicação.Ter a noção de que precisamos pensar no futuro da humanidade é algo, tão óbvio e ululante como afirmaria o dramaturgo Nelson Rodrigues, que sua compreensão não escapa ao raciocínio de crianças em tenra idade.

Mas o que é ainda mais facilmente observável é a total miopia que impera quando se discutem ações efetivas para colocar tal conceito em prática. Os obstáculos vão da prevalência dos interesses individuais sobre os coletivos quando nos referimos a postura das pessoas e das empresas, até chegarmos à priorização nefasta de governos e nações dos interesses regionais e nacionais sobre os problemas do planeta que afetam a todos indistintamente.

Resumindo: é o famoso cada um no seu quadrado!
Ai se argumentamos contrariamente a tais posturas, apelando para a redução do consumismo e da exploração irracional dos recursos naturais; por medidas de combate ao desmatamento e ao aquecimento global, entre algumas das principais bandeiras do movimento ambiental, surgem os rótulos usados indistintamente pelos ideólogos da direita e da esquerda.

Para o mesmo tema, só para ficar num exemplo, o do consumismo, a direita afirma ser uma reação socialista e anticapitalista. Já para a esquerda constitui-se em típica ação elitista contra os direitos do povo de consumir e conquistar empregos. Como se o consumo excessivo e insano pudesse ser visto com bons olhos no longo prazo. As trocas alucinadas de carro, celulares e televisores, a compra de objetos e quinquilharias pouco ou nada úteis, com enormes desperdícios de materiais e matérias-primas que, com certeza deverão fazer falta em breve, são vistos como positivos por muita gente.

Visão global

Sustentabilidade não deve e não pode estar a serviço de quaisquer das visões hegemônicas da política e da economia do Século XX. Crescimento dissociado do desenvolvimento sustentável é um perigo e um retrocesso. Priorizar o atendimento das necessidades de uma cidade, de um país ou de uma região, desvinculado de uma visão global, é um mergulho no escuro com consequências desconhecidas e certamente trágicas para todos os habitantes do planeta.

Código Florestal

Um dos casos mais interessantes e emblemáticos dessa polarização e demonização é o do atual debate sobre o Código Florestal, o polêmico projeto do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB – SP). A aprovação das alterações no Código é defendida igualmente pelo Partido Comunista do Brasil e por setores majoritários do agronegócio nacional.

Do lado oposto, os ambientalistas também consideram a necessidade de atualização do código, vigente desde 1965, mas não aceitam diversos artigos do projeto, pois avaliam que será um estímulo ao desmatamento, ao aumento da ocupação e contaminação dos rios, além de garantir a anistia daqueles que burlaram a lei e cometeram crimes ambientais.

Quem acompanha as calorosas discussões já deve ter notado a farta e raivosa classificação com que ambos os lados rotulam os adversários. Claro, que como alguém que defende a causa da sustentabilidade, não concordo com diversos itens da nova proposta do deputado Rebelo, mas considero um desserviço colocarmos um lado como representante do bem e outro do mal. Quando essa polaridade surge em qualquer tipo de debate, político, social, econômico, futebolístico ou que mais for, o diálogo já está sepultado.
Afinal, não existe diálogo se do outro lado está um inimigo que só deseja o mal e a destruição. Ponto final!

Se taxarmos o projeto do deputado Rebelo de apenas estar a serviço do agronegócio, do latifúndio e dos destruidores das florestas e da biodiversidade de nosso país, estaremos apenas enxergando o demônio.
Por outro lado, como ocorreu recentemente comigo, ser acusado por integrantes do PCdoB de representar os interesses de multinacionais e governos estrangeiros que não querem o desenvolvimento do Brasil, aí teremos o surgimento de outro capeta.

Felizmente, nesse caso específico, do Código Florestal, ambos os demônios estão sentando para conversar. As bancadas, ruralista e ambientalista, estão negociando um acordo no Congresso Nacional sob a mediação dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura para que se chegue a um denominador comum e que o bom senso prevaleça.

O importante nesse caso e nos muitos outros com os quais iremos nos defrontar num futuro imediato é, como Walter Franco disse em música nos anos 80, “manter a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranquilo”. E, acrescentando: não nos esqueçamos de ter um olhar no horizonte e no futuro dos nossos filhos! FORA SATANÁS!!!

*Quero deixar claro que o título deste artigo não está plagiando a declaração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab quando definiu o seu novo partido PSD. A ideia central é bem distinta!

**Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de comunicação do Greenpeace e coordenador de comunicação do Instituto Akatu. É colunista de Carta Capital e colaborador da Envolverde.

Artigo publicado originalmente na coluna Cidadania & Sustentabilidade: http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/nem-direita-nem-esquerda-muito-pelo-contrario

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(Envolverde/Carta Capital)

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