terça-feira, 24 de novembro de 2009

ENTREVISTA: Marcelo Dutra, Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Manaus



Colocar Manaus e a Amazônia no centro das discussões sobre meio ambiente e mudanças climáticas é o grande desafio da participação da Prefeitura da capital do estado do Amazonas na reunião de Copenhague. Para o atuante secretário de meio ambiente, o objetivo de colocar os governos locais no centro das atenções mundiais vem sendo perseguido em inúmeros encontros nacionais e internacionais dos quais, segundo ele, estão sendo colocados argumentos incontestáveis, entre eles, o fato de que as pessoas que residem nas cidades amazônicas precisam ter vez e voz em qualquer decisão e também que o bioma amazônico ultrapassa fronteiras e precisa ser pensado como um todo.

Acompanhe abaixo a entrevista exclusiva concedida aos jornalistas Dal Marcondes e Reinaldo Canto, da Envolverde:

Envolverde – Quais as expectativas e objetivos que estão sendo levados para a COP-15?

Marcelo Dutra - Manaus está fazendo um trabalho além da COP-15. A cidade está assumindo a responsabilidade de ser a maior cidde do bioma Amazônia, localizado mais ao centro do bioma e, portanto, a capital natural da Amazônia.
Manaus precisa se inserir nos debates com esta bandeira que é na cidade que a vida acontece é no município que se aplicam as políticas públicas e as decisões de governo. O Protocolo de Kyoto é um instrumento de decisões de governos nacionais que muito pouco chegou ao cidadão, que não foi debatido. Foi um instrumento que ficou distante do cidadão. Porque uma decisão de governo a nível nacional, ela vira lei, ela vira regra e causa um impacto noticioso, mas ela não chega ao trabalho, ela não chega a escola, enfim não chega na vida de cada um.
O envolvimento do governo local, dos municípios, é a bandeira maior que Manaus defende.

Envolverde – Como será a participação de Manaus na Conferência em Copenhague?

Dutra - Nós temos a participação na COP-15 através de um grupo de prefeitos que a partir dessa decisão de se trabalhar no âmbito dos governos locais foram reunidos na CGLU para participar das negociações.

Envolverde - Como se chegou a essa etapa em que Manaus assumiu a posição de representar os países da América Latina e Caribe?

Dutra - Vamos começar lá do comecinho como diz o caboclo. Em março deste ano, estávamos discutindo com o ministro Luis Figueiredo, que é o ministro-chefe da delegação negociadora brasileira. E perguntamos ao ministro por que a Amazônia não havia sido incluída nas discussões do Protocolo de Kyoto. Ele nos apresentou argumentações que não nos convenceram e depois perguntamos por que a Amazônia está fora da atual proposta. Ele colocou alguns pontos, primeiro que a Amazônia não poderia estar nas negociações, porque a Amazônia seria um passivo. O argumento frágil do ministro era de que a Amazônia tem os seus milhões de toneladas de carbono já neutralizadas e se um cidadão de um país desenvolvido comprar um crédito desse carbono já neutralizado, ele estaria se creditando a lançar outra tonelada de carbono. Então, o peso da Amazônia resultaria no mesmo peso em emissões. Considero esse um argumento furado, porque a matemática ensina milhares de caminhos além do crédito. Existe o do débito, tem o do passivo mesmo.
Depois disso a discussão se aprofundou. Por exemplo, nenhuma capital nacional está localizada no bioma amazônico. A do Brasil é no Planalto Central, a da Bolívia é no Pantanal boliviano e as outras são a beira-mar. Segundo ponto, o Brasil tem 64% da Amazônia. Se o país não cuida da sua região dentro de uma proposta internacional, os outros países do bioma se sentem pequenos. É como um irmão mais velho da família, se ele não cuida da família, não serão os menores que irão cuidar, então isso significava que os outros oito países não tinham proposta para a Amazônia.
Portanto, a partir dessa realidade, fomos a CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos) pedir o apoio para realizar uma cúpula de prefeitos do bioma Amazônia, fizemos a Cúpula de Manaus e, constatamos que a Amazônia, até então, não se conhecia. Um exemplo claro disso é o do Peru. Os peruanos nos informaram que estão liberando garimpo com mercúrio. Eles têm soberania para isso, mas a questão é que nos demos conta de que a Amazônia é uma casa só, que as fronteiras políticas não são respeitadas pelo meio ambiente e, portanto, esse mercúrio vai acabar por contaminar também os rios da Amazônia brasileira. Então, ficou clara a necessidade de nos entendermos, nos entrosar e discutir os nossos rumos. Dissemos para o representante da CGLU: “A Amazônia agora está falando por si própria está pedindo para ser consultada na decisão nacional de cada um dos nossos países”. Com esses argumentos a CGLU reivindicou um espaço para os governos locais nos debates sobre mudanças climáticas na ONU e foi concedida a uma comissão de prefeitos que participasse, não só na COP-15, a partir de agora nós temos um espaço nas negociações de todas as discussões sobre mudanças climáticas. Em princípio estão os municípios de Nantes na França, Dakar no Senegal, Durban na África do Sul, Manaus na Amazônia e serão ainda definidos os representantes da América do Norte e Ásia.

Envolverde - O trabalho das cidades dos governos locais não está em duplicidade com a força-tarefa montada pelos governadores?

Dutra - Não, porque o trabalho dos governadores se restringiu ao âmbito nacional sem ultrapassar as fronteiras. Eles trataram de uma maneira como se a Amazônia fosse nossa apenas. Essa visão que a gente precisa entender. A Amazônia nunca teve um destino e rumo, nunca foi vista como um bioma, porque nunca foi gestada como um bioma. Era sempre os 7 governadores da Amazônia ou 9 se considerarmos a Amazônia Legal, o resto da Amazônia deixa pra lá, como se conseguíssemos gerir a fumaça, a água, o fluxo gênico dentro da nossa fronteira política como se não houvesse essa extrapolação desse limite através da região toda.
As nossas nascentes estão lá fora e o poder de decisão também está lá fora. Quando o governo brasileiro quer fazer um fórum sobre a Amazônia o faz em Brasilia ou no Rio de Janeiro, não faz um fórum em Manaus. Eu nunca vi um fórum aqui, para que as pessoas que vivem aqui sejam ouvidas sobre o que pensam da Amazônia.
Então, o que os governadores fizeram tem a sua importância como governos subnacionais. Ocorre que na ONU nós estamos tentando discutir, argumentar, que você estaria numa outra esfera fictícia. O governo nacional, a União tem a soberania do país e o cidadão mora no município. O governo estadual é fictício, ele é um repassador. O movimento dos governadores também não provocou debates com os cidadãos, não provocou nenhum fórum. Dos fóruns que eu participei com o governo do estado eram com 50, 60 pessoas. Nós fizemos um com 1.200. É preciso ampliar o debate, enraizar na sociedade o que é esse debate.

Envolverde – Então diante desses argumentos, qual será o ponto principal que Manaus irá defender na COP-15?

Dutra - Antes de mais nada, nós temos que trazer para a sociedade resultados. Como é que funcionam os créditos de carbono hoje? Funcionam entre empresas, empresas que negociam que trocam entre si. Nós queremos inserir os governos locais nesse debate. Principalmente se tratando de REDD, já que as coisas serão mais voluntárias que no crédito de carbono. Precisamos que os projetos atinjam o poder público dos municípios que tenham o poder de decisão.
Um exemplo é a BR-319, o governo federal criou 7 unidades de conservação sem consulta pública a nenhum município. Consultou por meio de pesquisadores algumas comunidades, entendeu a socioeconomia de alguns povos e criou as unidades. E o governo local como é que fica? O plano diretor do município possa fazer na questão do uso do solo, o desenvolvimento planejado dessa cidade, a vocação natural desse município não é considerada, não é levada em conta.

Envolverde - O que se discute muito quando se fala da Amazônia, numa economia de baixo carbono, é a necessidade de se incluir o fator humano nessa conta, os mais de 20 milhões de pessoas que vivem na Amazônia.

Dutra - 40 milhões quando se discute o bioma todo no Brasil e nos outros países.

Envolverde - O que você imagina que a Amazônia poderá receber de recursos nos próximos dez anos, por exemplo, para que o cidadão amazônico possa ter uma qualidade de vida tão boa quanto a de um cidadão que viva em outras regiões?

Dutra - Manaus no meu entender, mesmo tendo a maior população, seria uma das menos beneficiadas com o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação). Porque não seria justo fazer a divisão de um REDD populacionalmente. Você teria que fazer um REDD pelo significado do bioma. Eu imagino que o índice de adicionalidade responde tudo. Se nós conseguirmos auditar os resultados, nós vamos entender que não adianta só atuar dentro de unidades de conservação, pois essas unidades já possuem regras claras de uso. Nós temos que começar a trazer o projeto REDD para as comunidades ribeirinhas rurais externas às unidades de conservação, porque são as áreas que estão ameaçadas de início. Se você observar o arcabouço jurídico brasileiro, ele já trata de reserva legal, de APPs (Áreas de Proteção Permanente), encostas, vegetação especial, de mananciais e recursos hídricos. No entanto, o caboclo que mora lá no mato, que precisa sustentar sua família e que não tem acesso a tecnologia, ele desmata alguns hectares, planta a sua mandioca, o terreno fica ruim e ele não tem conhecimento e recurso para fazer a correção do solo. Aí, ele simplesmente avança mais dois ou três hectares e a reserva legal não é considerada, não é considerada a APP, não é considerada nada. Se nós desenvolvêssemos um programa, tivéssemos como acessar esse cidadão, valorar a terra dele em pé, valorar o conhecimento e a praticidade da reserva dele, da encosta e da vegetação dele, aí sim ele vai entender aquilo lá como um recurso financeiro anual...

Envolverde - Um pagamento por serviços ambientais.

Dutra - ...também podemos chamar de pagamento por serviços ambientais. Ele passaria a ver aquela floresta como algo rentável e aí ele teria também acesso a tecnologia para fazer no mesmo espaço o que ele faria num espaço muito maior.

Envolverde - Uma das maneiras de levar esses recursos ao cidadão é a presença do estado. Numa cidade como Manaus é mais fácil. Como fazer para que os serviços do estado cheguem aos moradores de áreas mais distantes.

Dutra – Sem dúvida, nós precisamos aparelhar melhor a Amazônia. Eu vou citar uma cidade que se chama Japurá que fica as margens do Rio Japurá. Esse é um rio pobre em peixe, é um rio belíssimo! A cidade ainda não tem parto cesariano. Então, as mulheres ainda morrem de parto. Lá não existe um centro cirúrgico. É o menor PIB das cidades amazônicas. Vive de que: de favores do narcotráfico, de fechar os olhos ao garimpo ilegal no Rio Puruê. Vive de uma terra indígena que não tem mais indígenas na frente e cobra para que os pescadores possam ir lá para pegar peixes na área indígena... Então está tudo na ilegalidade, falta o braço do governo em Japurá. Como falta o governo nas 5.500 comunidades que o Estado do Amazonas tem. Quase o mesmo número de municípios que o Brasil tem, o Amazonas tem em comunidades rurais. Se nós construíssemos um projeto de REDD vinculado aos governos locais você já começa a aparelhar o governo local. Aquele braço que está mais perto do cidadão. O município tem um orçamento apertado, mas graças a Deus temos combatido melhor a corrupção. Se nós conseguíssemos agregar valor a esse município, mais próximo do cidadão, você conseguiria melhorar o gerenciamento desses projetos.

Envolverde - Você quer dizer que a presença do estado nessas comunidades deve começar pelo município?

Dutra – Exatamente, pelo governo local.

Envolverde - Se hoje fosse o dia seguinte a COP-15 e os seus objetivos tivessem sido alcançados, o que você teria a dizer e a comemorar?

Dutra - Eu teria a dizer que nós conseguimos estabelecer o papel dos governos locais como aplicadores da divisão desses novos mecanismos que serão colocados. O MDL só será pleno se ele também agregar o patrimônio vegetal que este planeta tem, os serviços ambientais da Amazônia. Existem estudos fantásticos sobre os índices de reciclagem natural de água que a Amazônia provoca para o Aquífero Guarani, para a Colômbia, chegamos mesmo a regular o clima na África.
O melhor resultado seria: os serviços ambientais proporcionados pela Amazônia, patrimônio dos amazonidas a serviço da humanidade agregaria valor ao caboclo. Não adianta absolutamente nada nós gerirmos tudo isso se a qualidade de vida continuar em Dubai e não em Japurá, isso se nós não dividirmos um pouco o que é viver bem.

0 comentários: