quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Cúpula em Manaus leva Amazônia para a COP-15

Ana Huara
Ambientalista, fotógrafa e estudante de geografia e meio ambiente na PUC-RJ

Organizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), a “Cúpula Amazônica de Governos Locais” (Manaus 7 a 10 de Outubro) debateu com entidades governamentais e cientistas a forma de como a região Amazônica deve ser incluída no contexto das mudanças climáticas. A Cúpula teve como objetivo principal elaboração da “Carta de Manaus” que contou com sugestões e opiniões de representantes de governos estaduais e municipais da Amazônia e das mais diversas camadas da sociedade presentes na Conferência. O documento elaborado será enviado para a Décima Quinta Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15) colocando o Bioma Amazônia como uma das temáticas que merecem especial atenção dentro do contexto global de mudanças do clima.
As autoridades enfatizaram que a visão local (dos municípios) é essencial para as discussões globais relativas ao meio ambiente. Outro assunto discutido na Cúpula de Manaus foi a questão dos desastres ambientais que vem ocorrendo no Brasil principalmente relacionados a enchentes e estiagens. Foi bastante difundida a ideia de que os prefeitos de todos os municípios são os que arcam com as consequências resultantes dos desastres e por isso não se deve focar apenas numa ou noutra área, as ações devem ser praticadas em conjunto, incluindo todos os municípios. Com a participação de representantes de mais de 20 países, ONGs e organismos da ONU, foram tratadas temáticas referentes a projetos que vem sendo desenvolvidos em todo o mundo e principalmente no Bioma Amazônico além de propostas para a manutenção da floresta em pé e de respeito aos seus habitantes tradicionais, que são totalmente diversos e representam as várias culturas amazônicas.
A Amazônia possui até agora a maior área de preservação florestal do mundo. Os seus mais de 7 milhões de km² de florestas e mananciais prestam serviços ambientais fundamentais para o equilíbrio climático do Planeta. No entanto, os milhões de habitantes amazônicos convivem com grandes índices de pobreza e exclusão. O Brasil tem um papel crucial dentro desses debates por possuir a maior parte desse bioma e por ser um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa os quais são provenientes principalmente das queimadas.
O evento foi marcado por diversas apresentações que enfocavam as mudanças climáticas sob variados ângulos. Mesas sobre construção sustentável e habitação na Amazônia, ciência e tecnologia, interação da floresta com as áreas urbanas, sociedade civil na proteção à Amazônia, iniciativa privada e responsabilidade socioambiental, saneamento básico e gestão da água, regularização fundiária e planejamento urbano foram algumas das temáticas palestradas ao longo da conferência. O encerramento contou com a divulgação da “Carta de Manaus” e também com o lançamento do livro “Governos Locais Amazônicos e as Questões Climáticas Globais” organizado, principalmente, por Niro Higuchi, engenheiro florestal, mestre e doutor em manejo florestal e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). No final da programação do evento foram oferecidas visitas técnicas a municípios da região com a finalidade de se buscar e desenvolver ideias de preservação levando em consideração as peculiaridades de cada local.
Como a floresta em pé não representa um valor por si só, ela sempre foi vista como um problema para os governantes que estão inseridos no Bioma. De acordo com Marcelo Dutra, Secretário Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Manaus, no ano passado, aproximadamente US$ 118 bilhões estiveram movimentando a economia global em negociações de créditos de carbono. Ele acredita que a Amazônia deve ser respeitada pelos serviços ambientais prestados ao mundo todo e que os habitantes da floresta devem receber alguma compensação por cuidar do bioma.
Laura Macedo, diretora regional para a América Latina e Caribe do ICLEI (Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais - International Concil for Local Environmental Initiatives) afirma: “a causa do aquecimento global vem dos padrões de consumo das sociedades das grandes cidades globais. O mercado de madeira ilegal só existe por que ainda há quem compre. As pessoas acreditam que o aquecimento global é uma coisa do futuro, mas ele já está acontecendo e fingimos não ver. O fato é que as populações mais vulneráveis não estão preparadas para isso. Todos nós somos responsáveis, é a nossa pegada ecológica. A mudança não parte apenas dos governos, mas também da sociedade civil. Qualidade de vida não é sinônimo de mais consumo.”
Na “Carta de Manaus” se declara serem necessárias as melhorias na qualidade ambiental como a implementação de políticas e medidas que incentivem a adoção de tecnologias limpas, fontes renováveis de energia e educação ambiental. No entanto, a sugestão mais debatida para a Amazônia é a implementação da Redução de Emissões Decorrentes do Desmatamento e Degradação (REDD) onde a compensação das emissões de carbono pode ser obtida com a floresta em pé. É uma maneira de buscar a preservação da mata nativa a partir de sua valoração econômica. No entanto, muitas questões acerca deste polêmico mecanismo ainda não foram respondidas tais como: quanto vale, monetariamente, uma floresta nativa? Quem receberá as compensações e como isso acontecerá? Haverá um fundo mundial responsável por guardar e repassar essa verba? Quais são os pré-requisitos para receber o dinheiro? Como será a fiscalização? Será que a solução para a problemática das mudanças climáticas não está na base das sociedades, ao invés de estar no fim do processo? O que vale mais, a floresta em pé ou pessoas passando fome tentando sobreviver a qualquer custo? Quem realmente destrói a floresta, o agricultor familiar, o extrativista, o indígena e outros povos tradicionais ou o agronegócio com a expansão da fronteira agrícola? Como amenizar os danos causados pelas mudanças climáticas sem modificar o padrão de consumo que se perpetua em todas as sociedades? Como pensar em “vender” a floresta em pé sem construir cidades mais justas em relação à educação de qualidade, energia, alimentação, transportes, habitação, lazer?
Os governantes, as ONGs, a sociedade civil, os povos tradicionais e a academia devem se unir e iniciar um debate em nível mundial para buscar a construção de sociedades menos doentes, mais humanizadas, que tenham outro padrão de consumo que seja mais consciente e sem desperdícios, com igualdade e justiça social, percebendo a natureza não como fonte de renda e de recursos, mas sim como a nossa casa, como a nossa origem. A humanidade jamais salvará a Terra, ela existe há mais de 4 bilhões de anos e por ele já passaram as mais diversas formas de vida. Cabe a nós decidir se queremos continuar habitando esta casa e se seremos responsáveis pelo nosso despejo, ou então, continuar esperando o Super-homem vir nos salvar.

0 comentários: